13 junho, 2012

O teatro e a histeria: verdade ou mentira?


“Abram-se os Histéricos!” é uma peça sobre o teatro. No século XIX, como num programa de auditório, Charcot (representado por Lourival Prudêncio), em seu hospital, trazia seus pacientes ao público leigo e compunha verdadeiras cenas ao vivo. Narrava a história do interno, descrevia seu sintoma, o hipnotizava e o sintoma desaparecia. E dali sugiram as vedetes da histeria de hospital como Blanche (por Marina Salomon e Marina Magalhães) e Augustine (por Aline Deluna). Tudo para provar a existência da histeria como uma doença verdadeira. Charlatanice? Ora, tratava-se de um teatro no qual os atores desempenham seus próprios papéis.
A histeria é teatral, o que não quer dizer que não seja verdadeira. Não há verdade na atuação do ator? O público só “compra” o personagem quando há verdade na representação que, no entanto, sabemos que é mentirosa, ou seja, ficcional. O teatro, por sua vez, não é histérico? 

A noção de representação vem do conceito de mimesis, de “A Poética”, de Aristóteles, que ele define como o próprio da arte: representar – e não imitar – a natureza. Quando vemos uma maçã num quadro, não está em questão se aquilo é ou não é uma “verdadeira” maçã. A representação artística é uma maneira de se expressar a verdade da maçã ou, no caso do teatro, de uma ação. O teatro é uma verdade feita de mentiras; a histeria é uma mentira feita de verdades. O teatro encontra a histeria ao nos propor um rompimento da barreira entre verdade e mentira, entre realidade e ficção, pois coloca ali no real do instante o sujeito-ator-personagem com suas contradições e paradoxos, fantasias e sonhos, histórias e estórias.

O efeito de transmissão da verdade pelo teatro tem “na peça dentro da peça” montada por Hamlet, o seu paradigma, ao revelar o assassino. A peça que atua dentro de nós durante a peça que estamos representando é o inconsciente. Freud (por Evandro Manchini) o chamou primeiro de “A Outra Cena” – o lugar onde se apresenta o sonho e as fantasias. Ele percebeu no teatro histérico dos pacientes-atores de Charcot que havia uma outra cena “embutida” na cena dos ataques provocados no palco do hospital. Ela era de caráter sexual e traumática. 

O ator-histérico atua uma cena que foi recalcada. Em vez de falar ele encena. Ele faz a performance de uma cena. Aproximamo-nos do teatro contemporâneo em que gestos e encenação podem substituir o texto. Sua atuação é uma narrativa somatizada. Eis onde entrou o teatro coreográfico de Regina Miranda, diretora do espetáculo, que criou uma gestualidade artística para o espetáculo da histeria baseada nos croquis de época. Para tal, José Eduardo Costa Silva compôs uma “música histérica”, que evoca as convulsões, os espasmos, o enigma, e o lirismo da voz que vai do grito ao canto. E assim foram compostas sinfonias gestuais que encontramos tanto na “histeria de hospital” quanto na “histeria de salão” das cenas que acontecem nos saraus chez Charcot.

No teatro dentro do teatro, a atriz Sarah Bernardt (por Patrícia Niedermeier) e a cantora lírica Adelina Patti (por Marina Salomão) encenam trechos remixados de óperas, com a mesma narrativa corporal que as internas. Elas revelam os mesmos dramas. Mas enquanto as histéricas doentes precisam de seus sintomas e ataques para expressar suas fantasias e traumas, as histéricas atrizes os manifestam com sua arte cênica. O teatro e a ópera são formas sublimadas – e sublimes – de histeria. Por um lado a histeria encharcada com seus ataques, gritos e atuações; por outro lado a histeria enxuta, sem sintomas, a histeria artística.  

Antonio Quinet é psicanalista, psiquiatra e autor do espetáculo "Abram-se os Histéricos!"

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