14 janeiro, 2013

O Brasil rodriguiano




Quando Peixoto entrar em cena às 19 horas desse 23 de agosto de 2012, aniversário de 100 anos de Nelson Rodrigues, no Teatro Glauce Rocha, iniciando 20 anos depois a histórica montagem de “Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária” clamando “É a hora de rasgar o jogo. De tirar todas as máscaras”, eu vou chorar. De emoção pela oportunidade de estar, 20 anos depois, novamente diante da obra que realizei, pela oportunidade de me revisitar e assistir a atores maravilhosos dentro de personagens extraordinários naquela que considero uma das melhores peças de teatro jamais escrita em território brasileiro. Vou chorar também pelo Brasil. É que 100 anos se passaram, e o Brasil está cada dia mais rodriguiano. Em geral, as obras de arte se tornam clássicas, e com o passar dos anos, vão se tornando contemporâneas porque vão servindo a cada momento histórico que vivemos caleidoscopicamente a inúmeras novas leituras. No Brasil não. É o Brasil que vai se tornando, a cada dia que passa, um retrato das peças de Nelson. As peças de Nelson não se parecem com o Brasil. Não são um retrato da nossa realidade. Nossa realidade é que se parece com a ficção que Nelson escreveu. Cada dia mais. Quase não há mascaras. Não é preciso. Nelson escreveu sobre nosso país sempre com uma dose de realidade, e outra grande de ficção. Falava de um Brasil ficcional. Mas não é que nosso país levou sua ficção a sério, e cada dia que passa a transforma em realidade!
E é assim que frases como “O Brasileiro é cínico pra burro”, “No Brasil, ou se é canalha na véspera ou no dia seguinte”, “Toda família tem um dia em que começa a apodrecer”, “No Brasil todo mundo é Peixoto!”, “Eu descobri o michê na inauguração de Brasília”, se aplicam cada dia mais a nossa realidade. E personagens como Werneck, Peixoto, Ligia e Maria Cecilia, antes fortes tintas, andam hoje calmamente pelas calçadas de nossas melhores avenidas. E a predição debochada de Werneck de que os grã-finos se cumprimentavam nas ruas gritando de uma calçada para a outra: “Ô fulana, o mineiro só é solidário no câncer”, hoje se aplica a todo cidadão comum. O Brasil virou um clássico. E o que antes era moral se transformou em ético. E 100 anos passados, Nelson Rodrigues ainda tem razão ao dizer sobre o personagem central de sua peça: “O Edgard é o único sujeito que ainda se ruboriza no Brasil”. E eu... hei de vencer, mesmo sendo honesto!

Eduardo Wotzik é diretor e ecenou “Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária” no teatro Glauce Rocha, em 1992




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