Quando Peixoto entrar em
cena às 19 horas desse 23 de agosto de 2012, aniversário de 100 anos de Nelson
Rodrigues, no Teatro Glauce Rocha, iniciando 20 anos depois a histórica
montagem de “Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária” clamando “É a hora
de rasgar o jogo. De tirar todas as máscaras”, eu vou chorar. De emoção pela
oportunidade de estar, 20 anos depois, novamente diante da obra que realizei,
pela oportunidade de me revisitar e assistir a atores maravilhosos dentro de
personagens extraordinários naquela que considero uma das melhores peças de
teatro jamais escrita em território brasileiro. Vou chorar também pelo Brasil.
É que 100 anos se passaram, e o Brasil está cada dia mais rodriguiano. Em
geral, as obras de arte se tornam clássicas, e com o passar dos anos, vão se
tornando contemporâneas porque vão servindo a cada momento histórico que
vivemos caleidoscopicamente a inúmeras novas leituras. No Brasil não. É o
Brasil que vai se tornando, a cada dia que passa, um retrato das peças de
Nelson. As peças de Nelson não se parecem com o Brasil. Não são um retrato da
nossa realidade. Nossa realidade é que se parece com a ficção que Nelson
escreveu. Cada dia mais. Quase não há mascaras. Não é preciso. Nelson escreveu
sobre nosso país sempre com uma dose de realidade, e outra grande de ficção.
Falava de um Brasil ficcional. Mas não é que nosso país levou sua ficção a
sério, e cada dia que passa a transforma em realidade!
E é assim que frases como “O
Brasileiro é cínico pra burro”, “No Brasil, ou se é canalha na véspera ou no
dia seguinte”, “Toda família tem um dia em que começa a apodrecer”, “No Brasil
todo mundo é Peixoto!”, “Eu descobri o michê na inauguração de Brasília”, se
aplicam cada dia mais a nossa realidade. E personagens como Werneck, Peixoto,
Ligia e Maria Cecilia, antes fortes tintas, andam hoje calmamente pelas
calçadas de nossas melhores avenidas. E a predição debochada de Werneck de que
os grã-finos se cumprimentavam nas ruas gritando de uma calçada para a outra:
“Ô fulana, o mineiro só é solidário no câncer”, hoje se aplica a todo cidadão
comum. O Brasil virou um clássico. E o que antes era moral se transformou em
ético. E 100 anos passados, Nelson Rodrigues ainda tem razão ao dizer sobre o
personagem central de sua peça: “O Edgard é o único sujeito que ainda se
ruboriza no Brasil”. E eu... hei de vencer, mesmo sendo honesto!
Eduardo Wotzik é diretor e
ecenou “Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária” no teatro Glauce Rocha,
em 1992
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